ONDE TUDO COMEÇA

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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A DOR E A DELÍCIA DE SER HUMANAMENTE O QUE SE É...




A DOR E A DELÍCIA 
DE SER HUMANAMENTE O QUE SE É...  


A POUSADA

O Ser Humano é como uma pousada
Cada manhã um novo convidado chega
Uma alegria, uma depressão,
Uma consciência momentânea aparece
Como um visitante inesperado
Dê boas vindas e acolha a todos
Até mesmo se eles forem uma multidão de tristezas
Que violentamente agitam sua casa
E esvaziam toda sua mobília
mesmo assim, honre a todos os seus hóspedes.
Eles podem estar clareando você com algum novo deleite
Um pensamento obscuro, uma vergonha, 
receba-os sorrindo à porta, e convide-os a entrar.
Seja Grato a quem vier, 
porque todos foram enviados 
como guias do além. 
(Rumi)


Joan Borysenko em seu livro Cuidando do Corpo, Curando a mente, (p.167),  fala que há 3 atitudes perante as emoções que permitem seu uso construtivo:
  1. É humano e natural sentir emoções. As emoções são o sal da vida;
  2. Você tem o direito de sentir o que quer que seja, quer as emoções se justifiquem ou não. Nem você nem ninguém tem o direito de lhe dizer que não deve sentir como está se sentindo.
  3. As emoções negativas são uma grande oportunidade para aumentar o autoconhecimento. É somente através da aceitação de nossas reações a nós mesmos, a situações e aos outros que podemos discriminar os escusos departamentos do ego.

E ela diz mais: 
“As emoções negativas não são ruins. Elas são humanas. Na maioria das vezes são adequadas. (...) Quando se fica doente, a resposta mais natural é sentir-se deprimido perante o que se perdeu e talvez com raiva e frustrado. Embora não se precise ficar preso a esses sentimentos, é por aí que muita pessoas começam. A reação natural à dor é a raiva. (...) Esconder as emoções acreditando que não tem o direito de senti-las e portanto sentir-se impotente é o que leva a um estado emocional mais perigoso, pelo menos em alguns casos, a um pior prognóstico.
As únicas emoções negativas são as emoções que você não permite a si próprio e aos outros senti-las. As emoções negativas não o prejudicarão se você expressá-las de forma adequada e em seguida abandoná-las. Segurá-las é muito pior.”

Fiquei super feliz quando “ouvi essas palavras. Eu já estava me achando meio culpada por estar me sentindo um tanto ou quanto arrasada, obsessiva e ansiosa diante do novo tratamento, uma quimioterapia que está me fazendo perder os cabelos. Os protocolos que até então eu vinha fazendo não me levaram à perda dos cabelos e eram mais brandos. 
Como forma de alívio, sempre encontro nas palavras e numa conversa com ouvidos amigos uma forma de conforto e desabafo. Mas dessa última vez, ao falar por diversas vezes sobre esse assunto que estava me angustiando bastante, ouvi os seguintes comentários de duas amigas distintas: - Você está muito focada na doença. Esquece a doença. Foca na vida! Pensa em outras coisas e etc...” 
E aí fiquei um tanto ou quanto surpresa, me senti incomodando com esse papo desagradável para o outro e também chateada por me sentir incompreendida. Pô, na verdade, estou vivendo um momento especial, diferenciado e sobretudo totalmente novo para mim em todos os sentidos: novo no visual, novo nos efeitos colaterais no corpo, novo porque tive que implantar em meu corpo um catéter, novo porque o protocolo exige exame de sangue duas vezes por mês num intervalo de quinze dias, novo porque as aplicações se realizam em três semanas consecutivas para totalizar um ciclo de 21 dias... Enfim... é tudo novo e de uma novidade diferente! E tenho que estar bio-emocionalmente disponível para aceitar e compreender tudo isso da melhor forma possível, entendendo que posso ser bastante feliz apesar de todos esses percalços. Fazer-me feliz. Me dar essa felicidade. Me dar esse direito, me dar esse estado! Pensar que o importante é viver bem e com qualidade de sentir e apreciar a vida  desperta dentro de mim a cada dia. Mas preciso de tempo para assimilar todas essas perdas. Preciso de tempo para esse “luto”. E preciso verbalizar, desabafar, colocar para fora todo esse sufoco. Sei que nem todo mundo quer ouvir falar sobre doença. Mas eu procuro não me abrir com “todo mundo”. Poupo os ouvidos de muita gente com minhas chateações do tratamento. Pra grande maioria, sempre digo que está tudo ótimo... E quando me abro emocionalmente, procuro aquelas pessoas que acho que vão me entender ou estar mais emocionalmente disponíveis para me ouvir. Uma das amigas ora envolvida, inclusive, já passou pelo câncer. Ok... Estou mudando de assunto... puxando meu freio de mão, ou melhor, de língua...  Descobri que não é bem assim. Tudo bem! Daqui pra frente, vou procurar segurar minha “onda”. Mas... saber que posso sentir o que quiser, que quaisquer sentimentos são naturalmente humanos e permitidos me deixa extremamente feliz e confortável dentro de minha própria pele. Não sou uma ET! E muito menos uma chata ou desfocada! Vibram em mim todas as dores e delícias de ser humana. Que maravilha!








terça-feira, 1 de dezembro de 2015

RITUAIS COMO FORÇA CURADORA



RITUAIS

RITUAIS SÃO:
Entrada num sagrado espaço da mente;
Uma forma de honrar a essência de nossa humanidade;
Reconhecimento do poder das forças invisíveis que curam e conectam e transcendem;
Ritos de separação de velhos modos de ser e pensar e agir e integração de novos modos de viver;
Comunicação e celebração, solenidade e ocasião para profundo silêncio interior;
Formas que todas as sociedades usam para dar significado, riqueza e estrutura à vida;
Cerimônias sagradas.
(Jeanne Achterberg)



Dezembro chegou e com ele a consciência do findar de um ciclo. 2015 vai se despedindo lentamente no fluir das horas e dos dias. Foi um ano mundial e nacionalmente tumultuado, marcado por guerras, desastres ecológicos e muita corrupção política aqui no Brasil. Em minha vida pessoal, inaugurei a quimioterapia com o taxol e pela primeira vez vejo meus cabelos ralearem e caírem. É uma fase totalmente nova para mim. Quero sobretudo que a quimio dê certo, que meu corpo responda ao tratamento, que eu consiga emocional, espiritual e mentalmente promover as necessárias mudanças para que isso possa acontecer e se refletir em nível físico. Ainda ando muito tumultuada nessa área sutil de mim mesma. Ainda me destempero com facilidade. Ainda sou superficial e me deixo agitar pelos acontecimentos a minha volta. Parece - e isso é quase certo! - que não fiz o dever de casa emocional e espiritual que deveria fazer, priorizando o que deve ser priorizado, descartando o que deve ser descartado, celebrando rituais para fechar ciclos e abrir outros novos. O monge beneditino Alnselm Grün, da Abadia Münsnsterschwarzach (Alemanha), explica que os rituais estruturam a vida e lhe dão profundidade e cor. Ele diz que rituais fecham uma porta e abrem outra porta. "Esta imagem é válida para os ritos de passagem: para o nascimento e a morte, para o dia e a noite, para o trabalho e o lazer. Se a porta do dia não for fechada à noite, não podemos adentrar a noite de maneira apropriada. O dia irá marcar a noite e muitas vezes não nos deixará dormir direito, quando nós não conseguimos encerrá-lo de forma consciente". De acordo com ele, rituais não têm nada a ver com produtividade. Eles querem ser justamente o contrário. Querem preservar um espaço livre em meio às exigências da vida, em meio às situações de estresse, no qual se possa respirar, no qual se possa apreciar o ter tempo para si, um tempo sagrado, do qual ninguém poderá dispor.
Achei essas colocações perfeitas. Tenho abandonado isso ou me esquecido disso. Vou vivendo meio que no piloto automático dos acontecimentos e quando me dou conta as horas já passaram, os fatos me engoliram o dia já findou, a noite chegou e pouco dei atenção ou abri espaços para os necessários encontros de cura comigo mesma.

Hoje, ao acordar, quando fiz a chamada geral dos ossos para o despertar, como dizia meu marido, senti a região do meu quadril esquerdo dolorida. Estou estranha do lado esquerdo dessa região. Ando e pontadinhas de dor vão se revelando. Pergunto-me o que pode ser, mas na verdade de nada sei. Não quero fazer suposições de algo pior evoluindo ou acontecendo dentro de mim. Ter câncer é isso aí: uma eterna surpresa, um eterno cuidado, um possível e constante estranhamento. Ao acordar, fui logo para o espelho fazer uma maquiagem. Acordo parecendo um frango esganiçado que acabou de ser depenado ou de levar uma surra. Os cabelos ralos, os olhos com poucos cílios, a sobrancelha rarefeita tudo contribui para deixar a aparência como se fosse uma alma do outro mundo acabando de encarnar... rsssss... Impossível não tentar brincar fazendo uma comparação dessas! Temos que rir da tragédia que nos abate. Sempre! Tornar mais leve as coisas pesadas é fundamental. Bom, mas como ia dizendo, diante do espelho, aos pouquinhos vou devolvendo a mim uma aparência que julgo mais razoável e bonitinha. Me arrumo, me pinto e me enfeito como posso. Outro dia estava pensando nesse novo “romance” com  essa minha nova aparência. É uma lua de mel. Uma fase de imersão, mergulho nas novas imagens e sentimentos que desabrocham, procurando um reconhecimento do que ficou e do que se foi. Lamentos, choros e lágrimas silenciosas são por vezes inevitáveis, por isso, busco um novo casamento, novas bodas com essa nova aparência que desponta irreversivelmente sem ser desejada ou convidada mas que faz parte do tratamento, faz parte da cura, faz parte da jornada, faz parte da travessia. Costumo dizer para mim mesma palavras como romance, enamoramento, lua de mel, paixão porque estou despertando de fato para uma conquista de mim mesma, de minha nova aparência e derramando sentimentos de amor, aceitação e gratidão por esse novo ser que em mim se revela nessa nova fase. Uma nova estação. É apenas isso! E está se me abrindo diante dos olhos trazendo-me ao encontro de uma nova realidade até então desconhecida, não vivida, não experimentada nem na carne, nem na alma. Ontem ouvi a entrevista de Mark Nepo (http://fivetothriveplan.com/thrive-thoughts/category/iheartradio-exploring-inner-transformation) e ele fala em milagres e fala na jornada de coração aberto, permitindo que a Luz entre e se manifeste neste nosso caminhar. Meu lado espiritual anda meio abandonado ou bastante superficial. Gosto de pensar que nada é por acaso, como afirma Elizabeth Kübler-Ross. Gosto de pensar que não existem coincidências. Que tudo está interligado. Que esse adoecimento faz parte de minha jornada de crescimento espiritual por esta vida. Be “open-heart”, recomenda ele. Ou seja, procure estar aberta e sensível para tudo que se manifesta a sua volta e lhe ensinando. E o mantra é: Me tornar uma aluna da vida. Ver cada acontecimento como uma lição. 

Devo dizer por outro lado que hoje estou meio assustada. Meu corpo me envia sinais de dor aqui e ali. Agora, por exemplo, na região do timo. Não sou de incomodar santos pedindo-lhes favores ou milagres. Tenho dificuldade para isso. Será um sentimento de onipotência??? Mas quero ardentemente um milagre: a remissão espontânea deste câncer!

Joseph Campbell fala que os rituais para os povos primitivos tinham como significado maior não o de controlar os acontecimentos, mas o de submissão aos aspectos inevitáveis do destino. Penso então que os rituais vêm para nos fortalecer, nos encher de coragem e capacidade de enfrentamento das adversidades e desafios que se colocam a nossa frente. No meu caso específico, o enfrentamento do câncer. Então que venham os rituais como parte do tratamento, coadjuvantes da cura! E que sejam abençoados  e alimentados pela cura através dos Deuses e Deusas, fontes da sagrada energia que a tudo permeia neste Universo!