ONDE TUDO COMEÇA

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segunda-feira, 23 de novembro de 2015




 A EXPERIÊNCIA DO SAGRADO,  
MINHAS PEQUENAS EPIFANIAS
E MEU SENTIMENTO DE GRATIDÃO


Tenho me perguntado por onde passa minha experiência do sagrado a cada dia. Viver, experimentar, fluir com a presença do câncer em meu corpo a cada momento se traduzindo em algum tipo de linguagem é um sentimento que ora é incômodo, ora parece fazer parte da banalidade e rotina do dia. Só que não é. As horas fluem, a vida escoa e  a cada passo que dou, tudo é sempre muito decisivo, pois, afinal, o tempo não espera  por ninguém e caminha-se sempre em direção ao fim misterioso, aparente ou ilusório de uma existência, cujo sentido maior ou significado mais profundo pouco ou nada sabemos e tudo supomos. 

Meu dia começa quase sempre assim: Acordo, abro os olhos e a primeira coisa que faço é ouvir os sons do dia a minha volta. Estabelecer contato com os ruídos que me chegam nesse despertar me põe em sintonia fina com o ambiente a minha volta: é um cachorro latindo, um bem-te-vi cantando, os pássaros da loja de “pet” em frente em alvoroço, alguém falando na rua, pessoas passando nas calçadas, um alarme de carro disparado, uma buzina, ruídos de algum canteiro de obras, a labuta do dia em movimento... Em seguida, entro em contato com meu corpo. Às vezes, esse contato me vem em primeiro lugar, quando é uma vontade maior de ir ao banheiro ou alguma dor que se manifesta. Tento me lembrar dos sonhos da noite... Uma tarefa quase sempre difícil... Algumas vezes, consigo; outras, não.  E nessa linha de sucessão, me despertam os sentimentos: uma pontada de tristeza, uma lágrima que salta inesperadamente ou um lampejo de alegria, um sorriso espontâneo; ou, ainda, uma saudade, uma lembrança repentina, um desejo rodopiando no ar... Varia muito esse cardápio sempre tão surpreendente de sentimentos do dia dentro de mim. E assim meu ser desperta e meu dia começa: passo em revista mentalmente as coisas que tenho que fazer: compras, comida para almoço, pagamentos... E neste exato momento me digo: "- Meu Deus, se viver é sagrado, o que há de sagrado nisso?  Qual a diferença entre o sagrado e o profano em minha ordinária vida? Quais são minhas epifanias?" Bom... Talvez, nenhumas. Talvez sagrado seja isso mesmo: VIVER esse missal das horas no rosário do dia! Talvez sagrado seja exatamente permitir que toda essa trivialidade de gestos que fazem minha vida de cada momento fluir, acontecer, se desenrolar, seguir em seu ritmo normal se dê de forma consciente dos movimentos externos e internos que me invadem como se fôssem  uma prece. Talvez sagrado seja permitir que meus gestos por mais banais que possam parecer, se expressem carregados de prazer, alegria e significado, me permitindo vibrar agradecida e abençoada por estar viva e em movimento, vendo a vida fluir em seus corriqueiros detalhes, sem orgasmos mirabolantes. Porque é desse trivial que meus dias são feitos. Vistos de longe ou superficialmente, podem até parecer rotineiros e vazios, mas não são. São plenos de sentido. Nutridos de sentimentos. Há neles gestos de carinho, sonhos, desejos, medos, dores, alegrias... Basta que eu preste atenção ao que emerge do fundo de mim mesma em cada gesto, em cada pensamento que lá vejo o bordado do medo ou da insegurança, o desenho da alegria ou do desejo da saúde de volta, a tão almejada paz de espírito... Está tudo lá, cintilando, borbulhando seus vapores no ar que eu respiro, subindo à superfície e descendo dentro do grande caldeirão que sou eu mesma... E vêm com todas as cantorias e afazeres simples do dia, embrulhados e se confundido nas coisas aparentemente tão triviais. E que na verdade são realmente comuns  porque fazem parte do dia a dia, não trazem nenhuma chama ou brilho especialmente luminoso ou diferente, não têm o carisma nem o condão de super poderes vindos do além, não levitam no espaço, não se movem sozinhos, não emitem sons por conta própria, enfim, estão lá em seu lugar como sempre estiveram, mas são especiais porque fundam a base do dia. A base do meu dia. É por esses caminhos que transito. Eles têm significado para mim. São verdadeiros, reais, autênticos. Não fazem parte de nenhuma ficção ou fantasia. Sem eles minha vida não ganha chão. É por ali que minha existência minuto a minuto vai ganhando ordem e consistência. Se isso é sagrado ou não, não sei dizer. Só sei que me sinto feliz diante da consciência dessas aparentes banalidades que, ao abrirem meus olhos, me trazem o dia de volta após uma noite de sono e me fazem dizer: 

Bom dia, Luz do dia, 
que me traz alegrias e boas energias! 
Estou viva... 
Amando viver...
E a vida flui...
Obrigada, meu Deus! 


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